(…) Para mim os skinheads estão aqui dentro (coração). Como skinheads deve primeiro: amar seus doc martens, amar a música ska, ter a atitude correta em seu coração e na cabeça, tem que gostar de futebol, tem que gostar de agitar, como qualquer outra pessoa da subcultura, e creio que o mais importante, é ser antiracista (…)
(BLOODVESSEL, Buster. extraído do documentário Skinhead Attitude, 2003).
Polêmico e elucidante, o documentário Skinhead Attitude (2003), dirigido por Daniel Schweizer, traz em imagens aquilo que o jornalista Antonio Salas e a professora Helena Salem apresentaram em palavras: todos eles, de uma maneira ou de outra, buscaram ampliar a ideia daquilo que se entende enquanto skinhead. Limitar esse movimento a manifestações do neofascismo, não é só equivocado, como também reducionista.
O diretor utilizou-se de sucessivas entrevistas com bandas e grupos dos mais diferenciados possíveis, tanto os SHARP’s como também os skins neonazi foram alvo de sua pesquisa. Dentre as bandas entrevistadas, destacam-se: Bad Manners e o seu vocalista (Buster Bloodvessel), Laurel Aitkem, Sham 69 e seu vocalista Jimmy Pursey, Fred Skarface, dentre outros. Além disso, Schweizer realizou entrevistas com integrantes e ex-integrantes de grupos neonazi como o Blood and Honour e Combat 18, além de utilizar vídeos, fotos, ambientes e costumes para construir o seu trabalho.
De acordo com ele, o movimento skinhead teria surgido como mais uma subcultura criada entre os anos 60 e 70. Fruto de um caldeirão cultural, os skins são contemporâneos de outros grupos como os mods, rockers, punks, os quais teriam nascido associados a ritmos musicais provenientes de diversas regiões. A variedade desses teria sido responsável pela grande diversidade entre os seus membros, e na sua origem, não teriam existido divergências marcantes entre brancos e negros.
Schweizer nos mostra que a entrada de idéias e comportamentos nazistas seriam conseqüência de uma tentativa de rebelião contra as gerações anteriores, já que estas teriam participado da 2ª Guerra Mundial contra o nazismo. Dessa maneira, adotar vestimentas e realizar saudações fascistas era o mais alto grau de rebeldia contra os pais. A partir dos anos 70, com o surgimento da banda Sex Pistols e do cenário punk, o movimento skin se radicalizou. Era necessário para vários de seus integrantes, diferenciar-se das ovelhas, encontrar sua própria identidade.
Anos mais tarde, com o surgimento da banda Screwdriver (1976), liderada pelo vocalista Ian Stuart – fundador do grupo Blood and Honour – letras de caráter anti-semita, marcadas pela intolerância contra negros, homossexuais e imigrantes, além de ideias neonazistas, tornaram-se lugar comum na comunidade skin, provocando dessa maneira uma notória divisão no movimento. A criação de instituições como o Blood and Honour e o Combat 18 contribuíram para o aumento da violência entre os diferentes grupos, os quais se sentem vitimizados por uma suposta conspiração judia que pretende dominar o mundo. Várias imagens apresentadas durante o documentário, onde neonazi skins empunham armas de todos os tipos, comprovam essa tendência. Além disso, a associação desses grupos a outros mais enraizados como a Ku Klux Klan, promovem a criação de um cenário de guerra, onde todos eles racistas ou não se tornam vítimas.
Se de um lado, vários deles aderiram ao neofascismo, muitos outros mantiveram-se contra essa influência. Para aqueles que se opõe ao neofascismo, os neonazi skins não são skinheads de verdade, pelo contrário, são rotulados apenas como racistas ou neonazistas, pois ignoraram as origens do movimento skin marcada pela contribuição de várias outras culturas, como o reagge, calipso, mento, as quais foram trazidas por imigrantes jamaicanos.
Além de se oporem aos racistas, os SHARP’s ampliaram as suas críticas para outras questões. A globalização e os seus efeitos é um exemplo disso. A despolitização de vários dos seus membros também é alvo de críticas para os militantes mais assíduos. Contudo, os assassinatos e as perseguições tornam a situação entre esses grupos ainda mais problemática. Schweizer os denominou de filhos de Caim e Abel, devido a sua origem comum e a sua relação conflituosa. Mesmo assim, nota-se que apesar de sua dicotomia, todos eles, neofascistas ou antifascistas, buscam de forma dramática uma identidade, num mundo cada vez mais distorcido pelas relações mundializantes.
Paulo Roberto Alves Teles
Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
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REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS:
SCHWEIZER, Daniel. Skinhead Atitude!. [Filme-documentário]. Produção e Distribuição Werner Schweizer Samir e Annette Pisacane. SUÍÇA / FRANÇA / ALEMANHA, 2003. DVD, 93min. color. son;
Como citar?
TELES, Paulo R.A. Skinhead Attitude: um documento para a história?. In: ENTEMPO Enciclopédia Eletrônica do Tempo Presente. Aracaju: Getempo. Disponível em: http://enciclopedia.getempo.org/2021/04/04/skinhead-attitude-um-documento-para-a-historia/ Acesso em:
Análise Audiovisual.