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Revisionismo Negacionista

    Carlo Ginzburg define revisionismo histórico como uma reinterpretação de fatos elaborando explicações contrárias às amplamente aceitas sobre os mesmos (GINZBURG, 2006:213). Segundo o “Dicionário Crítico do Pensamento da Direita: idéias, instituições e personagens”, o revisionismo “é a releitura do passado onde o nazismo perderia a sua maligna singularidade, servindo de fonte fundamental para a construção de novas identidades políticas” (BORIN, 2000:397).

    Memoria aos judeus mortos na Europa, Berlim-Alemanha. Por: Jean-Pierre Dalbéra Imagem retirada de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Holocausto#/media/Ficheiro:Le_M%C3%A9morial_aux_Juifs_assassin%C3%A9s_dEurope_(Berlin)_(2727934499).jpg

    Isto significa que o objetivo do revisionismo é (re)explicar o Holocausto [v. Holocausto] ocorrido na Alemanha Nazista. Embora os revisionistas neguem o genocídio nazista em sua totalidade, o cerne de tal refutação é o uso das câmaras de gás como instrumento de extermínio, para eles uma técnica primitiva, pobre. Os fornos crematórios, por outro lado, representavam o aperfeiçoamento e a industrialização da morte.

    Alicerçados numa teoria sem qualquer profundidade histórica, mas baseada principalmente num dossiê [v. Protocolos dos Sábios de Sião] questionável – Os Protocolos dos Sábios de Sião (http://www.radioislam.org/protocols/indexpo.htm) – os revisionistas propõem uma (re)interpretação do genocídio semita durante a II Guerra Mundial, desacreditando a história oficial através de alegações limitadas e infundadas.

    A teoria revisionista é um instrumento de acusação nas mãos de anti-semitas e neofascistas. Eles acusam o povo judeu de inventarem este fato com fins de manchar a imagem de Hitler e da Alemanha. A partir disso, uma série de explicações elaboradas nega a ocorrência do Holocausto ou das câmaras de gás dos campos de concentração nazistas, oferecendo supostas “provas” de que as mortes, torturas e inúmeras atrocidades não passam de uma invenção sionista:

    "As supostas câmaras de gás hitlerianas e o suposto genocídio dos judeus formam uma única e mesma mentira histórica, que permitiu uma gigantesca vigarice política e financeira de que os principais beneficiários são o Estado de Israel e o sionismo internacional e as principais vítimas o povo alemão, mas não os seus dirigentes, e o povo palestino na sua totalidade." (http://www.radioislam.org/faurisson/por/vitorias-portug.htm).

    Robert Faurisson [v. Robert Faurisson], ex-professor de literatura da Universidade de Lyon, revisionista há mais de quarenta anos, tem usado sites de extrema-direita como Radio Islam, o Valhalla88, o Ciudad Libre Opinión e o Nueva Orden [v.Portal Radio Islam; v. Portal Valhalla88; v. Portal Libre Opinión; v. Portal Nueva Orden] como suporte para difundir conteúdos que negam o Holocausto, juntamente com outros apoiadores de uma revisão da história.

    O escritor Richard Harwood (Richard Varral); Arthur R. Butz, professor de engenharia elétrica da Universidade de Northwestern; Bradley R. Smith, ex-diretor de mídia do Instituto de revisão Histórica (EUA) e fundador do CODOH (Fórum de Debates sobre o Holocausto); Carlos Withlock Porter, tradutor, membro do Instituto de Lingüística de Londres; Ernst Zündel, conhecido neonazi; Ahmed Rami, dono do Radio Islam; são revisionistas apoiadores de Faurisson que abastecem sites de extrema-direita com informações neste sentido.

    Explicando os objetivos do seu revisionismo, Faurisson argumenta:

    "O que nós contestamos é o que é acrescentado a isto [a existência de campos de concentração na Alemanha nazista]. E o que é acrescentado a isto foi um plano para exterminar os Judeus. Que primeiro existiu uma ordem de Hitler que dizia: Matem todos os Judeus. Que existiu um plano, um plano específico, que existiram câmaras de gás, que foram uma arma específica para um crime específico. E que isso teve como resultado todos estes 6 milhões de Judeus mortos. Isto nós contestamos. Nós dizemos que isso não é verdade. Que não é exato."(http://www.radioislam.org/faurisson/por/ revisionismo.htm).

    O ceticismo de Faurisson sobre o Holocausto objetiva questionar conceitos históricos concernentes a “fato”, “narração”, “verdade”, “prova”, “realidade”. Ginzburg contesta Faurisson, citando a comparação que Griffet (GRIFFET Apud GINZBURG, 2006:215) faz entre o historiador a o juiz. Ambos estão comprometidos em verificar a credibilidade das diversas testemunhas de uma situação.

    Embora no meio acadêmico haja uma discussão sobre provas, deve-se levar em consideração que a ligação entre provas, verdade e história não deve ser descartada facilmente. O historiador deve construir a história pautada num princípio de realidade. Mesmo “produzindo um espaço e um tempo, embora inserido num espaço e num tempo” – Michel de Certeau (1975) – isso não quer dizer que o historiador em sua produção exclua a busca pela realidade dos acontecimentos, dificilmente encontrada sem o uso de provas como elemento validador.

    É neste sentido que as alegações revisionistas sobre o massacre dos judeus na Alemanha nazista, chamadas por White de “moralmente ofensivas” e “intelectualmente desconcertantes”, é descredibilizada já que oferecem explicações impossíveis de desacreditar as provas incontestáveis do genocídio.

    Pierre Vidal-Naquet examina a teoria revisionista sobre o Holocausto em seu livro “Os Assassinos da Memória”, dedicado a sua mãe morta em Auschwitz em 1944. Envolve-se numa discussão que compreende entre outras coisas, uma minuciosa análise da documentação – depoimentos de membros da SS e de vítimas, possibilidades tecnológicas, explicações sobre o uso do Zyklon B, diários, etc. – relativa às câmaras de gás.

    Num anexo à obra, Vidal-Naquet tece esclarecimentos sobre a composição e formas de uso desse gás. Para isso, faz uso especialmente de um documento de 1944 encontrado na Suíça, que esclarece precisamente o processo de extermínio por este composto químico e as precauções tomadas após a operação:

    "Os infelizes são levados para o hall B, onde se lhes declara que devem tomar banho e se despir no local. Para convencê-los de que estão mesmo sendo levados para o banho, dois homens vestidos de branco dão a cada um uma toalha de banho e um pedaço de sabão. Depois são empurrados para as câmaras de gás C. Lá cabem 2000 pessoas, mas cada uma delas só dispõe de lugar para manter-se de pé. Para conseguir que essa massa entre na sala, atiram repetidamente para obrigar as pessoas que já entraram a apertar-se. Quando todos estão dentro, tranca-se a porta pesada. Aguardam alguns minutos, provavelmente para que a temperatura da câmara atinja um determinado nível, depois os SS com máscaras de gás sobem ao teto, abrem as janelas e jogam para dentro o conteúdo de algumas caixas de ferro branco: uma preparação em forma de pó. As caixas têm a inscrição ‘Zyklon’ (inseticida), são fabricadas em Hamburgo. Trata-se provavelmente de um composto de cianeto que se torna gasoso a uma certa temperatura. Em três minutos, todos os ocupantes da sala morrem. Até agora, nunca se encontrou um corpo que desse qualquer sinal de vida quando da abertura das câmaras de gás, o que acontecia, ao contrário, freqüentemente em Birkenwald, em virtude dos métodos primitivos lá empregados. Abrem a sala, que é arejada, e o Sonderkommando começa a transportar os cadáveres em vagõezinhos chatos para os fornos de incineração, onde são queimados." (VIDAL-NAQUET, 1987:97).

    Inúmeras citações como esta ou argumentos sobre provas irrefutáveis apresentam bases sólidas para a crença na realidade do Holocausto, visto que a base principal das argumentações de Vidal-Naquet é a memória, as lembranças e experiências dos que vivenciaram este acontecimento.

    Dessa forma, os argumentos encontrados em obras revisionistas ou sustentados por seus apoiadores, têm-se mostrado um verdadeiro apelo ao absurdo, à inverdade e a perversidade.

    Karla Karine de Jesus Silva
    Mestra em História pela Universidade Federal de Sergipe

    Referências Bibliográficas:
    FAURISSON, Robert. As vitórias do revisionismo. Disponível em: acesso em: 10/08/2009.

    GINZBURG, Carlo. Unus testis – O extermínio dos judeus e o princípio da realidade. In: O fio e os rastros verdadeiro, falso, fictício. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar e Otávio Brandão. São Paulo: COMPANHIA DAS LETRAS. 2006. p. 210-230.

    GINZBURG, Carlo. Apêndice – Provas e possibilidades. In: O fio e os rastros verdadeiro, falso, fictício. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar e Otávio Brandão. São Paulo: COMPANHIA DAS LETRAS. 2006. p.311-335.

    Os Protocolos dos Sábios de Sião. Disponível em: http://www.radioislam.org/ protocols/indexpo.htm acesso em: 10/08/2009.

    SILVA, Francisco Carlos Teixeira da (ORG.); MEDEIROS, Sabrina Evangelista (ORG.); VIANNA, Alexander Martins (ORG). Revisionismo/Negacionismo. In: Dicionário crítico do pensamento da direita: idéias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000.p.397-398.

    VIDAL-NAQUET, Pierre. O Revisionismo na História os Assassinos da Memória. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: PAPIRUS. 1988.

    Como citar?
    SILVA, Karla K.J. Cibercultura X Ciberespaço. In: ENTEMPO: Enciclopédia Eletrônica da Intolerância, dos Extremismos e das Ditaduras no Tempo Presente. Sergipe: Getempo, 2021. Disponível em: http://enciclopedia.getempo.org/2021/03/03/revisionismo-negacionista/ . Acesso em:
    Verbete da ENTEMPO.