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Ódio e Intolerância no filme Steel Toes

    Cartaz de divulgação do filme Steel Toes. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/7/76/Steel_Toes_FilmPoster.jpeg

    Desde a década de 1990 os temas de intolerância e ódio ao outro, vem ganhado espaço nas produções cinematográficas. São exemplos disto obras como American History X (1998), This is England (2006), Tolerância Zero (2001) Fuhrer-X (2002), Hooligans (2005), Steel Toes (2006), e tantos outros que trazem no seu enredo um mundo sustentado na intolerância, na violência exacerbada para com o “diferente”.

    Lançado em 2006, com direção de Mark Adam e David Gow, Steel Toes (Botas de Aço) aborda a questão da intolerância racial, narrando a história de um skinhead neonazista de Montreal, no Canadá. Na obra, Andrew Walker interpreta o jovem neonazista Mike Downey, que por sua vez, após cometer um crime atroz contra um imigrante indiano, se vê obrigado a ter como defensor um advogado judeu, Danny Dunkleman, interpretado por David Strathairn.

    A sequência inicial do filme apresenta o jovem skinhead em um ambiente sombrio, noturno. E é neste local que Mike espanca um imigrante. Portanto, no começo, o filme tenta nos mostrar como a intolerância, a xenofobia, e o ódio ao outro é algo presente nos “militantes” do movimento skinhead. De modo, que os diretores ao apresentarem Danny em um ambiente bastante oposto ao de Mike, chamam-nos atenção para observarmos justamente esse contraste significativo que há entre o mundo violento de Mike e a tolerância de Danny, o que de fato se trata de um grande choque cultural.

    Mike, na película assume o papel de “fiel” representante do movimento skinhead. Movimento este, que surgiu na Inglaterra, nos anos 60 composto na maioria por jovens de origem operária (SALEM, 1995, p. 30), mas vale ressaltar que o movimento só passou a assumir uma postura de caráter neonazista a partir dos anos 70.  E assim como a grande maioria dos jovens do movimento skinhead, Mike busca intimidar a todos através de sua postura dura, através de suas botas, suspensórios, cabeças raspadas e as tão famosas jaquetas bomber (SALAS, 2006, p. 33). Mas, de fato o que mais identifica um skinhead neonazista, são a violência e o vandalismo, sustentados pelos ideais racistas, intolerantes e xenófobos do movimento. E Mike sem dúvidas é a representação desse indivíduo, seja nas suas atitudes, seja na sua indumentária.

    Em virtude da grande diferença ideológica existente entre os personagens, os primeiros encontros do advogado Danny com seu cliente Mike, não foram nada produtivos, já que o jovem a todo tempo mostra-se embriagado com seus ideais neonazistas, o que lhe permitia achar justificativas para o crime que cometera. Mesmo estando preso, Mike ainda estava a defender a “necessidade de uma limpeza racial”. A trama em si, deixa visível o quanto que essas concepções de Mike chocavam Danny.  Mas mesmo não estando satisfeito em defender um skinhead, Danny continua a desenvolver a defesa de Mike, de modo que é neste contexto que o advogado traz para seu cliente um dossiê, dossiê este que fará Mike relembrar as cenas mais violentas de sua vida. Assim, enquanto Mike tem acesso a seus atos desumanos, Danny se vê criticado em sua vida pessoal por defender um racista, um jovem dotado de concepções neonazistas.

     Em uma das suas visitas a Mike, Danny percebe o quanto o “ódio” ao outro está presente no ser humano. Num momento de discussão, Danny afirma para seu cliente que caso começasse a batê-lo, talvez não fosse capaz de parar e como resposta, Mike diz que agora Danny conhece o sentimento. E de fato, se bem observarmos todo ser humano é capaz de ser cruel, o que vai impedir que venhamos a nos comportar assim, é justamente evitar o primeiro ato de violência, pois o ódio pode ser embriagador.

    Enquanto Mike aparece na trama vendo as fotos do crime que cometeu, Danny vê seu casamento se desfazer, mas é justamente neste contexto que durante um ensaio para o julgamento, Mike em um momento de “surto” diz para Danny tudo que pensa acerca dos judeus e do perigo que eles representam para seu país. Com um discurso xenófobo, racista e extremamente nacionalista, Mike expõe seu sentimento antissemita. De modo que faz uma defesa clara de sua “raça” e dos direitos da mesma, que segundo o jovem neonazista, vem sendo prejudicados com a presença de imigrantes em seu país. E justamente neste momento de frenesi, Danny faz com que Mike leia a carta que sua vítima escrevera pouco antes de morrer.

    Após ler a carta, Mike tem um choque de realidade e recorda os momentos do crime, recorda o quanto sua vítima implorou pelo direito a vida e de como ele, sendo o mais intolerante possível, negou este direito.

    Desta forma, o objetivo de Danny em sua defesa não era de camuflar o crime que seu cliente cometera, mas sim de mostra-lhe o quanto que seu ódio e sua intolerância eram prejudiciais não somente para suas vítimas, como também para ele mesmo, visto que Danny faz com que Mike compreenda que ele estava sendo usado e manipulado por uma ideologia obscura. Assim, mesmo Mike sendo condenado, Danny ganhou a causa, pois Mike assumiu seu erro e ao mesmo tempo pediu ajuda para se reeducar, para tirar de si e de suas atitudes aquele ódio desnecessário.  Sendo que Mike durante o julgamento vai chamar a atenção de todos para a gravidade do problema do neonazismo.

     Assim, o desfecho do filme além de mostrar a necessidade de Mike em se regenerar, evidencia o quanto Danny também precisa de ajuda, pois devido aos problemas que enfrentara em sua vida pessoal, ele mostrava-se um tanto debilitado, precisando vencer seus próprios preconceitos. Porém, é visível que assim como Mike estava disposto a vencer suas fraquezas e medos, Danny também estava disposto a superar seus problemas pessoais da melhor maneira possível, evitando a violência e o ódio para com o desconhecido.

    De fato, Steel Toes é uma obra que não aborda em si o movimento skinhead, mas o indivíduo. Porém, essa abordagem do “ser skinhead” é extremamente rica para compreendermos essa atração que o jovem neonazista tem pelo ódio e de como é fácil culpar o outro pelos seus próprios infortúnios. Sendo que o caso de Mike é um grande exemplo de como o racismo, e principalmente, o antissemitismo é a consequência dessa exagerada exaltação nacional (SALEM, 1995, p. 24), em que esses indivíduos buscam culpar os imigrantes por todos os males que ocorrem em suas vidas, em seu país.

    Desta forma, pode-se dizer que a película nos ajuda não só a ter acesso a essa pedagogia do ódio, como também alerta-nos sobre a gravidade do problema para o homem do século XXI. Mostrando-nos que os ideais nazistas não ficaram no século passado, pelo contrário, encontram-se presentes na sociedade atual. Sendo que como mesmo lembrara Helena Salem, os neonazistas de antes também começaram em grupos pequenos, assim como fazem os de hoje (SALEM, 1995, p. 03).Por isso, é fato que o neonazismo é um problema para o homem do tempo presente, de modo que este deve estar atento para a gravidade e a fácil adaptação desse movimento as diversas realidades socioculturais.

    Gabriela Resendes Silva
    Mestra em História pelo Prof. História da Universidade Federal de Sergipe

    Referências bibliográficas:

    DAMASCENO, Natália Abreu. O “X” da Questão: Skinheads, Cinema, Tensões Racistas em A Outra História Americana. In: Caderno do Estudante.  São Cristóvão: Editora  UFS, Vol. 1, n° 1, p. 171-180, 2010.

    OLIVEIRA, Pedro Carvalho. Cinema e Internet: Fontes para o Historiador do Presente. In: Caderno do Estudante. São Cristóvão: Editora  UFS, Vol. 1, n° 1, p. 194-203, 2010.

    SALAS, Antonio. Diário de um skinhead: um infiltrado no movimento neonazista. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Planeta, 2006.

    SALEM, Helena. As tribos do mal: o neonazismo no Brasil e no mundo / Helena Salem; coordenação Emir Sader__ São Paulo: Atual, 1995. – (História Viva).

    SILVA, Karla Karine de Jesus. Cinema e História no Documentário “Skinhead Attitude.In: Caderno do Estudante. São Cristóvão: Editora  UFS, Vol. 1, n° 1, p. 95-101, 2010.

    TELES, Paulo Roberto. As raízes do mal – A intolerância no cinema do século XXI.  Revista Eletrônica Boletim do TEMPO – Ano 5, n° 33, Rio 2010 [ISSN 1981-3384]. Disponível em: Acesso em: 02/01/2012;

    Filmografia:

    Steel Toes. Direção: Mark Adam e David Gow. Roteiro: David Gow. Canadá, 2008. 97 min., son, color.

    Como citar?
    SILVA, Gabriela Resendes. Ódio e Intolerância no filme Steel Toes. In: ENTEMPO Enciclopédia Eletrônica do Tempo Presente. Aracaju: Getempo. Disponível em: <http://enciclopedia.getempo.org/2021/04/04/odio-e-intolerancia-no-filme-steel-toes/>. Acesso em:
    Análise Audiovisual.

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