(…) O filme aqui, não está sendo considerado do ponto de vista semiológico. Também não se trata de estética ou de história do cinema. Ele está sendo observado não como uma obra de arte, mas sim como um produto, uma imagem-objeto, cujas significações não são somente cinematográficas. Ele não vale somente por aquilo que testemunha, mas também pela abordagem sócio-histórica que autoriza (…) (FERRO, 1992, p. 87)
Produzido na primeira década do século XXI, Hooligans (2005) se encaixa em um conjunto de filmes[1] que fazem recortes interessantes sobre a violência gratuita, intolerância, xenofobia e atuação de partidos de extrema-direita em tribos ou grupos urbanos.
Dirigido por Lexis Alexander, Hooligans (2005) retrata a história de um jovem (Matt Buckner – Elijah Wood), que após ter sido expulso injustamente da faculdade jornalismo em Harvard, decide viver com a irmã em Londres. Durante a sua vivência na capital inglesa, o jovem americano envolve-se com torcedores fanáticos do time West Ham United e a partir daí inicia um processo de transformação pessoal, que no filme é apresentado como uma forma de amadurecimento. Um rito de passagem violento entre o mundo juvenil e a fase adulta.
O filme desconstrói a imagem daquilo que se entende enquanto hooligan e justamente por isso apresenta uma proposta perigosa e atraente do submundo das torcidas organizadas.
De acordo com Eric Dunning, o hooliganismo[2] não é algo recente na história do futebol. Suas manifestações datam do século XIX, mais especificamente 1870, apesar de ter ocorrido um enorme silêncio sobre manifestações violentas no futebol na década de 20. Contudo, a violência nos esportes não é algo contemporâneo, pois segundo o autor, é possível encontrar documentos onde as autoridades já buscavam conter incidentes violentos em eventos esportivos desde o século XIV.
Ele aponta que o termo hooligan em si surgiu por volta dos anos 1890 e provavelmente teria sido uma corruptela da palavra houlihan, nome de uma violenta família irlandesa que vivia em Londres. Contudo, apesar de ter surgido no século XIX, o autor defende que o termo teria sido utilizado pela primeira vez nos anos 1920 em, derbies, jogos clássicos disputados entre times rivais de uma mesma localidade.
Apesar de possuir uma relativa historicidade, o hooliganismo foi encarado durante muitos anos pelas autoridades inglesas como distúrbios locais ou até mesmo como problemas de outros países, já que formas de hooliganismo já teriam ocorrido em outras partes do mundo. Para ele, entre os anos de 1930 e 1950 predominava na Inglaterra a concepção de que este país era o lar do fair play (espírito esportivo) e que os atletas ingleses pacíficos e bem-comportados. Somente nos anos 60, com a aproximação da Copa do mundo de 66 realizada na Inglaterra, é que a mídia e as autoridades governamentais e futebolísticas passaram a definir o hooliganismo como um sério problema social, pois as manifestações e distúrbios promovidos pelos seus adeptos poderiam macular a imagem da Inglaterra de lar do fair play.
Já naquela década existiam problemas sociais relacionados a delinquencia juvenil envolvendo outras tribos urbanas como os mods, teddy-boys, rockers e skinheads, mesmo assim, a mídia considerou o hooliganismo como o mais grave entre todos os outros e os estádios de futebol tornaram-se verdadeiras arenas onde os hooligans caçariam os inimigos estrangeiros. Após, a década de 60, os skinheads, por possuírem toda uma indumentária e comportamento já explicado em parágrafos acima, tiveram sua imagem vinculada ao arquétipo de hooligan, mesmo que os skins fossem algo muito mais complexo do que essa definição reducionista.
Em Hooligans (2005) a diretora Lexis Alexander, por nutrir uma simpatia confessa sobre esses grupos, apresenta-os de forma maniqueísta onde algumas torcidas são defensoras de seu território e cavalheirescas, enquanto que outras são caracterizadas como invasoras agressivas e intolerantes. Tal maniqueísmo se torna completamente evidente nas últimas cenas do filme, onde é travada uma batalha final entre as torcidas rivais ao som de Brothers in arms da banda inglesa Dire Straits, música que critica a guerra, é utilizada no filme, fora de seu contexto e exalta o companheirismo frente às adversidades. Diante disso, a violência exercida pelos hooligans mocinhos é de certa forma justificada durante a trama do filme.
Toda essa representação criada pela diretora sobre os hooligans esconde uma realidade muito mais obscura. Pois, estes grupos violentos não podem ser classificados de forma maniqueísta, já que ambos são extremamente agressivos com os seus supostos opositores. Além disso, o envolvimento com setores políticos não são apresentados nesse filme, o que resulta na construção de uma imagem abrandada sobre essas tribos urbanas.
Outro ponto de destaque é o ambiente de identificação criado sobre o grupo, a mensagem Stand your ground (Delimite seu território) passada pelo filme deixa bem claro que as lutas entre torcidas inimigas não correspondem somente a uma disputa futebolística, mas também a uma disputa territorial onde o outro, o diferente, sempre é apontado como inimigo. O próprio protagonista Matt Buckner (Elijah Wood) é vítima dessa aversão nos seus momentos iniciais entre o grupo. A hostilidade xenófoba representada pelo personagem Bower (Leo Gregory) nos dá uma dimensão daquilo que significa ser o outro em uma sociedade em constate disputa por espaço e oportunidades.
Paulo Roberto Alves Teles
Doutor em História Comparada Pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
[1] Tolerância Zero (2001), Fuhrer-EX (2002), Evil – Raízes do mal (2003), This is England (2006), Steel Toes (2006), Diário de um Skinhead (2007), A Onda (2008) e o documentário Skinhead Atitude (2003)
[2] O Hooliganismo consiste num fenômeno social marcado pela violência entre torcedores de futebol promovido por indivíduos denominados Hooligans
Referências Bibliográficas:
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Referências Audiovisiais:
ALEXANDER, Lexis. Hooligans. [Filme-vídeo]. Produção e Distribuição Warner Bros studios. EUA / REINO UNIDO, 2005. DVD, 109min. color. son;
Como Citar?
TELES, Paulo R.A. Hooligans (2005): uma representação da realidade?. In: ENTEMPO Enciclopédia Eletrônica do Tempo Presente. Aracaju: Getempo. Disponível em: <http://enciclopedia.getempo.org/2021/04/04/hooligans-2005-uma-representacao-da-realidade/> Acesso em:
Análise Audiovisual.