Baseado no livro homônimo de Antonio Salas, o filme Diário de um skinhead (Diario del um skin – 2005), dirigido por Jacobo Rispa, pertence a uma série de trabalhos realizados sobre o tema após o impacto produzido pela publicação da obra de Salas. Além de entrevistas, documentários e programas de TV, a película de Rispa contou com o apoio do mesmo canal, Telecinco, que realizou trabalhos anteriores sobre o material do escritor.
O filme corresponde a uma adaptação do livro, e como toda adaptação precisou realizar algumas adequações para que a obra se tornasse mais romanceada. Em certo sentido, a película não conseguiu se desvincular do estereótipo de que um indivíduo ao acaso, devido a fatores externos se torna um paladino em busca de justiça que ao final do enredo acaba ficando com a mocinha. Apesar disso, o filme consegue abordar, através de imagens, diversos aspectos levantados pelo autor.
Rispa inicia sua história com dois jornalistas, Antonio Salas (Tristán Ulloa) e Victor (Frank Spano), investigando um caso de prostituição infantil. Este teria sido tão estarrecedor que provocou a desistência de Victor, companheiro do protagonista, que cansado de se envolver com tantos crimes e crueldades, opta por abandonar o jornalismo investigativo. Após a sua saída, Victor é brutalmente assassinado por jovens skins e aquilo que aparentemente seria mais um crime de intolerância, torna-se um divisor de águas para o personagem central.
Inconformado com a morte do amigo e com a animosidade da polícia, Salas (Tristán Ulloa) resolve se infiltrar no movimento e descobrir, por conta própria, os assassinos de seu companheiro. Ele inicia seu contato com os skins através da internet, sem o sucesso inicial esperado, o personagem somente alcançaria seus objetivos iniciais após o auxílio concedido pelo policial Jaime Gullón (Guinés García Millán). Com este apoio, o protagonista mergulha em uma realidade paralela que o obriga a realizar uma metamorfose que marcaria para sempre a sua vida, como ele próprio relata que ainda há noites, nas quais sentia a raiva dentro do estômago.
A violência é a primeira marca das transformações ocorridas com o personagem, ele se torna mais intolerante e em alguns momentos, agressivo, como na ocasião em que esbofeteia sua noiva Mônica (Juana Acosta). Outros exemplos se encontram nas cenas em que ele se relaciona sexualmente com a mesma, e a sua tatuagem se destaca na cena, assim, Salas se torna Tiger 88.
A investigação prossegue concomitantemente a sua transformação, o personagem descobre códigos secretos, normas de conduta e até rivalidades internas entre os skins neonazi. Entretanto, não demora muito para que ele perceba que o movimento era apenas a ponta de um enorme iceberg.
Gente que em um mundo de cordeiros preferem ser lobos. Pronunciada por uma das lideranças do movimento, essa frase não condiz com a realidade decifrada pelo protagonista. Apesar de se auto-intitularem lobos e de afirmar que defenderiam o futuro da raça branca e de suas crianças, Salas logo percebe que os skins não passavam de marionetes utilizadas para mascarar outras atividades ilícitas, como a própria prostituição infantil investigada no início do filme. Diante disso, todo um conjunto de ideologias e comportamentos é instigado para que outros criminosos possam ficar nos bastidores enquanto jovens cordeiros, acreditando em um ideal maior, são manipulados em benefício dos verdadeiros lobos.
A película se encerra com a descoberta de seu disfarce pelos skins, que contando com o apoio de policiais corruptos, buscaram acabar com a vida de Salas. Estes policiais possuíam como objetivo, proteger a identidade de Martín Solano (Juan Fernández), um dos lobos citados acima. Com isso, o protagonista é esfaqueado, mas sua noiva mobiliza as autoridades que impedem o pior. Apesar do desfecho do filme não ser condizente com o do livro, a corrupção de agentes policiais foi relatada por Salas em sua obra.
É necessário estabelecer aqui que livro e filme tratam sobre um mesmo tema de maneiras diferentes. Principalmente porque o filme foi criado a partir da leitura que o diretor realizou sobre a obra de Salas. Dessa maneira, devemos encarar que a película é, sobretudo, a materialização do entendimento de Jacobo Rispa sobre os relatos produzidos pelo escritor.
Em seu livro, Salas desconstrói os argumentos levantados por Hitler na obra Minha Luta (Mein Kampf), ao iniciar os seus capítulos com citações marcantes do pensamento hitlerista. Munido de enorme fonte documental, gravações, vídeos e boletins de ocorrência de casos policiais, o jornalista encerra seus escritos da seguinte maneira
(…) Hitler disse: “Só posso combater pelo que amo, amar somente o que respeito, e, em suma, respeitar somente o que conheço” (Minha luta). Portanto, só podia combater pelo que conhecia… Porém, mais além do que o Führer conhecia, aí fora no mundo real, há milhares de coisas pelas quais vale a pena lutar e que ainda não conhecemos. Talvez valha a pena descobri-las, porque sem dúvida encontraremos alguma que mereça nosso respeito e que, portanto, podemos amar. Afinal, é mais divertido do que passar a vida furioso, irascível e odiando… Pelo menos se sorri mais (…) (SALAS, 2006, p. 245)
Com isso, mesmo que a película Diário de um skinhead (2005) não apresentasse essas intenções, entendemos que esta conseguiu produzir aspectos relevantes sobre as relações entre skins, neofascismo e outras várias atividades criminosas. Além disso, o envolvimento de uma série de pessoas das mais diferenciadas áreas sociais demonstram o quanto essa realidade está presente entre nós. Dia-a-dia arrebanhando cordeiros para que estes sirvam a intenções de um mundo controlado cada vez mais por lobos.
Paulo Roberto Alves Teles
Doutor em História Comparada Pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Referências bibliográficas:
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Referência audiovisual:
RISPA, Jacobo. Diário de um skin. [Filme-vídeo]. Produção e Distribuição Filma Nova Producción e Studio Picasso. ESPANHA, 2005. DVD, 85min. color. son;
Como citar?
TELES, Paulo R.A. Diário de um Skinhead: das letras para o cinema. In: ENTEMPO Enciclopédia Eletrônica do Tempo Presente. Aracaju: Getempo. Disponível em: <http://enciclopedia.getempo.org/2021/04/04/diario-de-um-skinhead-das-letras-para-o-cinema/> Acesso em:
Análise Audiovisual.