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A construção do mal: uma breve análise das representações da intolerância em Evil – As Raízes do Mal (2003).

    Cartaz de divulgação de Evil – Raízes do Mal. Disponível em: https://filmow.com/evil-raizes-do-mal-t4990/

    Até que ponto atuações modestas e uma produção cinematográfica repleta de clichês podem ser encaradas como uma obra rica na obtenção de interpretações e estudos? Esse é apenas um dos nossos questionamentos dentre os vários que circulam em torno de Evil – As Raízes do Mal (Ondskan – 2003). Baseado no romance best-seller de Jan Guillou, a película promete continuar a polêmica lançada no momento da publicação do livro.

     Dirigida por Mikael Håfström, Evil – As Raízes do Mal (Ondskan – 2003) foi apresentado no Festival de Cannes (2003) e indicado ao Oscar como melhor filme estrangeiro em 2004. A história se baseia na obra autobiográfica de Jan Gillou e gira em torno do personagem Erik Ponti (interpretado por Andreas Wilson), o qual é frequentemente agredido pelo padrasto e, devido a essas agressões, responde de maneira violenta aos abusos que sofre. Tal postura desperta a atenção daqueles que o cercam, que passam a considerá-lo, com exceção de sua mãe (Mary Richardson) e do advogado Ekengren (Kjell Bergqvist), como o mal na sua forma mais pura.

    A partir daí, o enredo toma outros rumos, aquilo que aparentemente seria mais um filme sobre violência no meio estudantil escondem em suas entrelinhas os resquícios de uma organização social baseada no autoritarismo, na intolerância e na violência regada a doses de ideologia nazista.

    A película é ambientada na Suécia da década de 50 e apresenta uma escola tradicional, Stjärnberg, como cenário do enredo. O protagonista é mergulhado em um meio onde os excessos cometidos pelos veteranos são legitimados pelo diretor e alguns professores, os quais enxergam naquilo uma forma de manter a ordem e a tradição da instituição de ensino. Os abusos com os calouros vão desde humilhações morais até espancamentos que são ignorados pelo grupo docente, o comportamento dos professores e do diretor é tamanho que em alguns momentos da obra, a impressão que se passa é que a escola passa por um processo de naturalização da violência.

     Esse processo não é apenas aceito, como também, é legitimado por um grupo que o manipula ao seu favor. De acordo com esses personagens, a manutenção do espírito de equipe servia como justificativa moral para a aplicação desses abusos. Ao torná-los habituais, os veteranos instituem a concepção de que a violência faz parte de um comportamento natural e moralmente correto, já que visa a preservação de algo supostamente maior.

    Diante disso, voltemos à pergunta inicial. Por mais que haja atuações modestas e uma enormidade de clichês, a obra não deve ser, em hipótese alguma, encarada como mais um filme de violência estudantil. Pelo contrário, deve ser interpretada como uma espécie de laboratório onde possamos analisar, de maneira específica, as conturbações e os dilemas surgidos em um espaço onde a intolerância é legitimada.

    Um dos pontos marcantes da obra consiste na aula de eugenia e antropometria exibida durante o filme, por um professor, que, diga-se de passagem, é simpatizante do Nazismo. O personagem Tanguy, é ridicularizado e mesmo apresentando um excelente resultado acadêmico, é encarado por aqueles que o cercam de forma desprezível, por apresentar um perfil físico supostamente inferior. Admirador de jazz e outros ritmos como rock-and-roll, Tanguy se torna um dos alvos favoritos dos veteranos.

    Erik Ponti também se torna um dos alvos, principalmente por não se submeter ao autoritarismo dos alunos mais velhos. Contudo, mesmo disposto a não utilizar a violência, ele somente consegue por um fim aos abusos após espancar dois veteranos.

    Outros pontos marcantes correspondem às cenas de abuso realizadas pelo padrasto de Erik sobre ele,durante vários momentos do filme. A violência sobre o garoto é realizada de forma indiscriminada e sem sentido, onde até a má utilização de um talher a mesa se torna motivo para agressões. O comportamento da mãe do personagem perante o ato também deve ser considerado. Ela, apesar de apresentar um enorme incômodo sobre o que acontece ao seu filho, isola-se e busca no piano uma maneira de mascarar a realidade.

    Dessa maneira, percebemos que o mal não é algo que nasce espontaneamente. Pelo contrário, ele é construído através de legitimações absurdas, impunidades e abusos de poder carregados de autoritarismos e intolerâncias que justificam quaisquer atos em benefício próprio. Além de estabelecer estereótipos e comportamentos que são manipulados para atender as vaidades e os excessos de um grupo em específico. A película Evil – As Raízes do Mal (2003) pode ser encarada como uma oportunidade para que possamos direcionar os nossos estudos ao processo de naturalização da violência assistido nos últimos anos.

    Paulo Roberto Alves Teles
    Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Referências Bibliográficas:

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    Referências Audiovisuais:

    HÅFSTRÖM, Mikael. Evil – Raízes do Mal. [Filme-vídeo]. Produção e Distribuição Moviola Film och Television. SUÉCIA / DINAMARCA, 2003. DVD, 113min. color. son;

    Como citar?
    TELES, Paulo R.A. A construção do mal: uma breve análise das representações da intolerância em Evil – As Raízes do Mal (2003). In: ENTEMPO Enciclopédia Eletrônica do Tempo Presente. Aracaju: Getempo. Disponível em: <http://enciclopedia.getempo.org/2021/04/04/a-construcao-do-mal-uma-breve-analise-das-representacoes-da-intolerancia-em-evil-as-raizes-do-mal-2003/> Acesso em:
    Análise Audiovisual.

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