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Tolerância Zero (2001): Uma Angustiante Busca por Identidade

    Capa do filme Tolerância Zero. Imagem retirada de: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Believerposter.jpg#/media/File:Believerposter.jpg

    Dirigido por Henry Bean, Tolerância Zero (2001) apresenta a incrível e angustiante história do jovem Danny Balint (Ryan Gosling), que mesmo sendo judeu, torna-se um feroz skinhead neo-nazista e desenvolve durante a trama uma série de críticas ao povo, o qual pertence.

    Primeira obra dirigida por Bean, o enredo é inspirado na história real de Daniel Burros, jovem judeu que viveu em Nova York entre os anos de 1937 e 1965, que se tornou um dos mais violentos membros da Ku Klux Klan. Intrigante, este fato foi evidenciado pelo jornalista John McCandlish Phillips pertencente ao New York Times. Após, a revelação de sua origem, Dan Burros cometeu suicídio em 1965. Até aquele momento, ele já havia atuado em grupos de extrema direita como o American Nazi Party fundado pelo ex-combatente George Lincoln Rockwell.

    O filme apresenta algumas concepções relevantes. A trama é envolvida por um sentimento de angústia permanente e nos revela uma busca incansável pela identidade Essa busca é realizada através de flashs-back como uma forma do protagonista buscar dentro de si, respostas para a sua enorme insatisfação sobre o povo judaico. Os debates teológicos são intensos e questionamentos acerca da postura adotada pelos judeus são levantados, ora através do debate, ora através da violência. Contudo, é interessante citar que apesar do anti-semitismo extremamente agressivo adotado por Danny, a indumentária e os costumes do judaísmo são respeitados. Torna-se claro dessa maneira, que a intolerância promovida pelo personagem não está relacionada à religião propriamente dita, mas sim a interpretação e o comportamento construído através dela que o povo judeu assumiu para si.

    Vários momentos podem ser apresentados como pontos-chaves para a interpretação da obra, entretanto, dois merecem destaque: A agressão cometida pelo protagonista a um jovem estudante judeu e a discussão realizada entre Danny e outros skins com sobreviventes do Holocausto.

    No primeiro, a violência destinada ao estudante apresenta-se de uma forma que, o protagonista, através da agressão busca de todas as maneiras forçar uma reação daquele indivíduo. Nesse sentido, percebe-se que a passividade diante dos seus agressores seria uma das características que mais despertava o sentimento de ódio no personagem principal. Isso pode também ser constatado, no segundo momento, pois após ouvir o relato do brutal assassinato do filho de uns dos sobreviventes ao Holocausto, Danny se revolta. E o impacto daquela narrativa foi tão grande sobre ele, que por diversas vezes o personagem se projetou em suas reflexões, no relato contado pelo sobrevivente.

    A projeção criada pelo personagem também é posta de forma dicotômica. Já que, ele próprio se coloca – em momentos diferentes – como agressor e agredido pelos nazistas. Diante disso, percebe-se a intensa crise existencial desenvolvida pelo protagonista que mesmo admirando a postura agressiva dos nazistas perante os seus inimigos, ele próprio não se afasta da possibilidade de pertencer ao grupo que sofrera a violência. Mesmo assim, no momento em que ele se apresenta enquanto judeu em suas reflexões, Danny reage e executa o conselho dado ao sobrevivente: mate seu inimigo. Dessa forma, o anti-semitismo exercido pelo personagem pode ser entendido como uma busca por auto-entendimento e é claro pela tentativa de mudança de vários aspectos do modus vivendi judaico.

    O outro ponto de destaque são as reuniões de grupos neofascistas realizadas na película. Esses eventos são apresentados também de duas maneiras: a primeira consiste em debates políticos organizados por famílias e elementos abastados da sociedade americana que possuem a ideologia conservadora e neofascista, apresentando dessa forma, as reuniões como um espaço de debate político e justificativa das idéias apresentadas. Já a segunda situação ocorre em espaços skinheads onde a violência é a postura principal adotada. O próprio protagonista é vítima e algoz nesse ambiente.

    O filme se encerra com o suicídio cometido por Danny, o qual cumpriu a sua promessa feita ao jornalista após a divulgação da sua identidade. Apesar disso, as últimas ações do personagem chamam a atenção: antes de a bomba explodir, Danny salva os judeus presentes na sinagoga avisando-os da ameaça.

    Mesmo assim, a atitude do protagonista ainda continua dúbia. Ele salva os participantes do culto, mas se sacrifica como uma espécie de alusão a suposta morte do personagem bíblico Isaac pelas mãos do seu pai Abraão. Esta idéia é defendida por ele quando garoto e mantida com a sua morte. Dessa maneira, o filme deixa claro que as dúvidas e os questionamentos de Danny não se encerram com o seu suicídio, a prova retumbante disso é a eterna tentativa do personagem principal em chegar à sala de aula que havia sido expulso quando garoto, o eterno retorno torna-se dessa forma a conclusão do filme.

    Paulo Roberto Alves Teles
    Doutor em História Comparada Pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

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    Referências Audiovisuais:
    BEAN, Henry: Tolerância Zero. [Filme-vídeo]. Produção e Distribuição Seven Arts Pictures / Fuller Films. EUA, 2001. DVD, 100min. color. son;

    Como Citar?
    TELES, Paulo R.A. Tolerância Zero (2001): Uma Angustiante Busca por Identidade. In: ENTEMPO Enciclopédia Eletrônica do Tempo Presente. Aracaju: Getempo. Disponível em: <http://enciclopedia.getempo.org/2021/03/02/tolerancia-zero-2001-uma-angustiante-busca-por-identidade/ > Análise Audiovisual.