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Führer Ex (2002): Apresentando o noenazismo alemão

    Cartaz de divulgação do filme “Führer Ex”. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/f/ff/F%C3%BChrer_Ex_2002.jpg

    Menos aprofundado na abordagem do tema e com uma nítida qualidade inferior quando comparado aos outros filmes como This is England (2006) de Shane Meadows, Führer Ex (2002) nos apresenta a história de dois jovens, Tommy (Aaron Tristan) e Heiko (Christian Blümel), na década de 80 que sonhavam em trespassar o Muro de Berlim e dessa maneira alcançar o ocidente capitalista, o qual é apresentado de forma utópica pelo filme através das alusões à Austrália.

    O primeiro filme ficcional do alemão Winfried Bonengel chegou a ser indicado ao Leão de ouro em Veneza, sendo ele uma adaptação da biografia do ex-neonazi Ingo Hasselbach, Die Abrechnung (Ajuste de Contas) e do documentário Beruf Neonazi (Profissão Neonazista). Além disso, a película foi acusada pelo semanário Der Spiegel de propagar ideologia de extrema-direita, como também provocou a ira do Conselho Central dos Judeus da Alemanha, pois este solicitou a proibição do filme.

    O filme se inicia com os dois jovens insatisfeitos e que buscavam de várias maneiras possíveis burlarem uma licença médica para se ausentar do trabalho. Desde o início da obra existe uma relação bem clara de autoridade entre os garotos, de tal maneira que em determinados momentos o personagem Heiko chega a assumir um caráter de submissão e comportamentos feminilizados. A sexualidade é outro ponto de relevância nesses momentos iniciais, principalmente quando se refere à relação sexual inter-étnica exercida pela mãe de Heiko e o curto diálogo estabelecido entre ele e o suposto amante dela, ficava claro o incômodo do protagonista diante de tal relação.

    Insatisfeitos, os jovens idealizavam a Austrália como o suposto lugar de liberdade absoluta onde eles encontrariam tudo aquilo que buscavam. Nesse sentido, o local escolhido pode ser entendido como uma representação metafórica do Mundo Capitalista. A tentativa frustrada dos garotos de atravessar o Muro acaba provocando a ida deles ao presídio, onde são expostos a diversos tipos de ameaças e privações. Tommy rapidamente se aproxima do grupo neonazi e nele encontra proteção, já Heiko distante do seu melhor amigo acaba não tendo a mesma sorte.

    A sexualidade então reaparece no filme de uma forma explosiva e traumática através da violência sexual sofrida por Heiko. A partir daquele momento, o protagonista toma novos rumos no decorrer da obra. O grupo neonazi oferece todo suporte e apoio para ele, garantindo dessa maneira, a entrada de mais um integrante.

    A forma pela qual, este grupo é representado na obra é extremamente problemática, além do anti-semitismo e de várias concepções de intolerância que não são apresentadas, o grupo é exibido como uma agremiação de indivíduos fiéis, protetores e amigos, e pior, os únicos a defenderem os reais interesses da nação alemã, os únicos a revidarem a violência cometida pela dominação comunista. Após esta integração Heiko atravessa um momento de metamorfose, e aquele que antes se configurava como um garoto tímido e franzino, agora passa a ser apresentado como um verdadeiro líder do movimento neonazi.

    Apesar da riqueza de documentação histórica, Bonengel deixou a desejar em vários aspectos, principalmente àqueles referentes a representação movimento skin. O filme se concentra basicamente na amizade dos dois personagens e várias temáticas importantes são menosprezadas. Ainda sim, existem três momentos cruciais no filme: o primeiro corresponde a clara xenofobia demonstrada durante a destruição de uma lanchonete onde o proprietário era de origem turca, uma clara percepção de que os eventos ocorridos em Möelln (1992) não estavam esquecidos; o segundo momento corresponde ao espancamento de uma série de jovens ditos inimigos dos skins e por último a morte de Tommy que acaba provocando uma nova transformação de Heiko fazendo com que ele se decepcionasse com o movimento neonazista e o abandonasse.

    Dessa maneira, Führer EX se configura como um filme reducionista e perigoso em sua abordagem já que ao representar de maneira superficial o movimento skinhead e o fenômeno neonazi, ele permite a construção de estereótipos confusos e problemáticos sobre a historicidade desses grupos e as relações sociais estabelecidas por esses grupos e as pessoas que o cercam.

    Paulo Roberto Alves Teles
    Doutor em História Comparada Pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

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    Referências Audiovisuais:
    BONENGEL, Winfried. Fuhrer-EX. [Filme-vídeo]. Produção e Distribuição Next Film, ALEMANHA, 2002. DVD, 105min. color. son.

    Como citar?
    TELES, Paulo R.A. Führer Ex (2002): Apresentando o noenazismo alemão. In: ENTEMPO Enciclopédia Eletrônica do Tempo Presente. Aracaju: Getempo. Disponível em: <http://enciclopedia.getempo.org/2021/03/02/fuhrer-ex-2002-apresentando-o-noenazismo-alemao/> Acesso em:
    Análise Audiovisual.